quarta-feira, 12 de novembro de 2008

À Margem

Ontem de manhã, quando eu passei perto da entrada do meu local de trabalho, a gerente me informou [se é que isso é algo que tenha que ser informado à alguém] que havia um mendigo... ahn... defecando, praticamente na porta de lá. Claro que por se tratar de uma cena grotesca [fosse o cara mendigo ou não], ela pensou na única coisa possível de ser feita naquele momento: chamou a polícia. A partir desse ponto, ainda não tenho o desenrolar dos fatos, visto que eu não fui mais conversar com a gerente.

Daí que comecei a pensar um mundo de coisas, né. Desconsiderando esse caso em particular, no qual o cara estava realmente fazendo porcalhada na frente de um estabelecimento comercial, em quantas outras vezes nós vemos essas pessoas jogadas pelo mundo, e nosso medo, nossa maior vontade não é a de também chamar a polícia? Se não for sair correndo. No mundo de aparências em que nós vivemos, os mendigos, moradores de rua, catadores de papel, enfim... qualquer pessoa nem tão bem vestida já é colocada à margem da sociedade. Como é estar à margem? Quase num precipício...

Se é por opção dessas pessoas estarem na rua, não ter um local pra dormir, não ter um cobertor quentinho para se esquentar, não ter uma alimentação saudável e diária, não ter o carinho de nenhuma pessoa, ou mesmo o respeito: alguém realmente opta por tudo isso? Alguém um belo dia decide "vou viver à margem da sociedade"? Mas também, será por falta de opção? Ouvimos tantas histórias de pessoas que não tinham absolutamente nada, e então depois de tanta luta e muitos percalços, alcançam o seu lugar ao sol.

A partir de que momento resolvemos que algumas pessoas não poderiam viver na mesma sociedade limpa e organizada que vivemos?

Pra mim é muito fácil falar. Meu preconceito também grita no meu peito, de que essas pessoas não são confiáveis, que eu tenho que atravessar a rua cada vez que eu vejo um se aproximando, que eu tenho que virar a cara quando eles me falarem qualquer coisa, mesmo que seja um bom dia.

[por esses dias em minhas andanças na Paulista, conheci um cara que na verdade não é mendigo, mas poucos pararam pra conversar com ele e conhecer o trabalho do cara. Muito mal vestido, uma barba que há uns vinte anos ele num faz, o cabelo sem lavar acho que desde sempre. O que ele faz na Paulista? Ele recolhe bitucas de cigarros que as pessoas jogam na rua e faz esculturas com elas. Claro que poucos ou ninguém considera o seu trabalho 'arte'. Mas o que ele está tentando fazer é conscientizar de que não adianta apenas reciclar papel, garrafas e vidro. Bitucas de cigarro poluem E MUITO os poucos rios limpos que ainda existem por aqui. Mas quem vai ouvir um cara que num faz a barba, num lava o cabelo e nem troca a roupa? E se você realmente duvida do trabalho dele, já foi publicado inclusive em revistas internacionais, que ele mostra com orgulho pra todo mundo que se dispõe a parar um pouquinho e ouvir suas palavras.]

Não estaríamos nós mesmos à margem?

11 comentários:

Andarilho disse...

Eu acho que todos nós estamos a margem de algo.

Eu, por exemplo, já desconfio de qualquer um que venha falar comigo. Se estiver engravatado, pior ainda. Esses são os piores, hauhauhau.

Márci disse...

Tá...mesmo não sabendo o porque do cara estar nesta situação hoje....de não ter uma casa, um banheiro blá blá blá....acho que nada justifica o fato de um ser cagar em uma calçada qualquer...em frente um banco, a uma padaria, a uma lojinha de 1,99...que seja.

Não...não entra na minha cabeça.

Sim...cada um pode viver á margem de alguma coisa....Mas ainda assim...não justifica....Como N outras coisas que acontecem e não são justificáveis....

Prefiro viver no meu mundinho, na minha margem, em que essas pessoas não existem....Prefiro não ser hipócrita e admitir que não me importo...É bem mais fácil fechar os olhos para as coisas injustificáveis e ruins....Simples assim.

Perdido disse...

A terceira margem do rio?

Lembro meu estranhamento quando fui pra SP Capital pela primeira vez, uma avenida enorme cheia de shoppings, lojas, e virando apenas uma rua uma favela, me senti muito estranho, fico me perguntando como nós conseguimos comer sabendo que deixanmos "irmãos" nessa situação.

(apesar do capitalismo eu acredito que existe comida para todos...)

LadyK disse...

A margem até quando???
Adooorooo o Blog....
Deem uma visitada no meu e me digam oq acham...
Nada como a opinião de alguém(ns) de conteúdo!!
BjOoOoOo

jujudeblu disse...

Minha amiga,
Muitos são os motivos que levam alguém à viver nas ruas. Existem muitos que têm problemas mentais mesmo e só conseguem "viver" se for nas ruas.
Acho que, em primeiro lugar, as pessoas têm o direito de viver nas ruas. Elas têm o direito de escolher viver nas ruas, sim.

Mas eu acho que nada é "por acaso", sabe. Acho que cada pessoa, encontra seus significados e sentidos individualmente, mas ao mesmo tempo, dá significados e fala coisas para o coletivo, para a sociedade. E esse cara fez o que muita gente já quis fazer, CAGOU NO BANCO. Ele expressou aquilo que a sociedade gostaria de expressar mas que, hipocritamente, não tem coragem - pelo contrário, ela fica injetando mais e mais dinheiro nessa bosta toda que é o mundo do "capital".

Toda sociedade, em primeiro lugar, PRODUZ pessoas que acabam indo para os extremos - pessoas mais sensíveis e que não agüentam a hipocrisia que eu, vc, nós todos, aguentamos.

E são essas pessoas que nos fazem refletir sobre coisas que nós já consideramos "normais".

É fácil chamar a polícia. Difícil é refletir sobre o ocorrido, como vc fez... Poucas são as pessoas que ainda se sensibilizam com as coisas que acontecem ao seu redor, que param pra PENSAR.

Mas, talvez quem de fato esteja à margem, sejamos nós. À margem do abismo, se já não tivermos caído nele...

Aceito Pix disse...

É complicado falar se é opção ou falta de, o que eu penso é que desde sempre o ser humano foi doido. Muitos não valorizam o que tem ou tem forças para fazer da sua vida alguma coisa que realmente valha. Muita gente existe só para ocupar lugar no mundo. Talvez os mendigos na simplicidade deles devem achar a nós todos loucos.
Bem, é isso rs.


Beijundas :)

Pamela Lima disse...

Cara, recentemente fizemos aquele trabalho de sociologia, justamente sobre "moradores de rua", na verdade "ex-moradores de rua", pessoas que conseguiram de alguma forma sair dessa situação e levar uma vida melhor - ou ao menos mais digna.

Nós mesmos terminamos o trabalho, sem concluir afinal, o que levam pessoas à morar nas ruas. São muitos os motivos, problemas em casa, vícios (principalmente o alcoolismo), rejeição da família, problemas psicológicos...Mas alguns, moram na rua, incrivelmente por opção "decidi morar na rua, estar a margem da sociedade".

Eu não sei se existe um mapa dessa situação, talvez exista. Muitas vezes me pego em pensamentos ou atitudes preconceituosas na rua. Costumo adotar posturas mais frias, o que não é ignorar os fatos, veja bem, mas faço isso para fugir da tormenta* que sinto quando passo perto de outras realidades.

Tormenta* entre "mas com tantos programas de ajuda, ongs, etc, pq diabos estas pessoas ainda estão nas ruas?" e "coitados, do que será que eles precisam? pq moram nas ruas? pq eu não faço nada?"

Sem opinião formada!

Thiago Apenas disse...

Faça sua parte e não espere o mesmo dos outros.

Blz de blog!

Ana P. disse...

Aiiiii gente! Quanto comment bom! Quanta discussão boa! Gosto gosto. E mesmo cheia de pregui, vou responder um por um!

Andarilho: e se for engravatado com carteirinha da OAB?? Muito cuidado, todo cuidado, aliás, é pouco!

Má: apesar de médio discordar da sua pessoa, não sou ninguém para criticar seu posicionamento, principalmente porque muitas vezes, esse é o MEU posicionamento. Mas eu acho que é preciso pensar um pouco nisso e ver... como eu posso mudar para que algo mude? Ou mesmo se é que eu quero que algo mude...

Perdido: é justamente por causa do capetalismo que eu acredito que exista comida para todos: 700 bilhões de dólares não nascem de um dia pro outro, certo? Há um interesse em que exista uma parcela miserável na população, e são justamentes esses interesses que estão sendo defendidos na atual crise. Complicado. Aqui em SP então, isso é mega complicado.

Krol: eu visiteeeei, mas esqueci de comentar, me perdoa! Farei isso agora! E sua pergunta é minha tb, estaremos à margem ATÉ QUANDO?

Juju: vc sabe o quanto gosto de discutir essas paradas contigo, né? Vc ilumia minha idéias, xuxu! Mas olha, de tudo que você falou, uma coisa só me incomoda: não acho que cagar na frente do banco [ou do hospital, ou da rede de televisão, ou do caralho a quatro] seja a melhor forma de manifestar meu descontentamento. De qualquer forma, só pra constar, a polícia não foi, sabe pq? eles disseram que não podiam fazer nada. Alguém pode?

Cristal: sério, não são só os mendigos que acham todos doidos. Eu compartilho da opinião deles, sério. A opção, ou a falta de, não é o caso. Se ele está lá por falta de opção, pq não dar uma opção pro cara?

Pamela: a pergunta mais certinha talvez seria "pq nós não fazemos nada?" Nós, que só chutamos os que estão a margem pra ver se eles caem logo do precipício. Mas aí a pergunta que eu faço é: o que nós podemos fazer? O que eu queria fazer, que era deixar de virar a cara, não consigo. Não consigo parar de ignorar o problema. E isso, por vezes, me faz ter medo de morrer e ter que prestar contas de tudo. Sei lá...

Thiago Apenas: [vc não tem sobrenome???]... o mundo é uma grande corporação, e como as grandes corporações, se não houver o trabalho de equipe, de nada vai adiantar eu lutar sozinha. Preciso juntar mais algumas cabeças pensantes, pra refletir e então achar uma solução. Eu sozinha? Sou fraca e não consigo.

É isso! Vcs são tudo lindus!

jujudeblu disse...

Amiga, nesses casos, creio que vcs podiam ter chamado a SAMU, pois talvez entraria como uma questão de saúde, senão física talvez mental.
Enfim, eu ia colocar isso no meu comment, mas na hora preferi não falar que era pra não "resolver" todo o assunto, deixar as "resoluções" pra outra hora que não impedisse o debate. ^^

Ana P. disse...

Juju: eu sei que poderiam ser tomadas outras N atitudes. Quando muito, poderiam ter perguntado se ele precisava de alguma coisa, tentar chegar amigavelmente no ser para que ele parasse de cagar na frente do banco. De qualquer forma, se chamássemos o SAMU, e ele não quisesse sair, eles não podem forçar, podem?

E eles saíram de lá, por vontade própria. Não precisamos fazer nada. E o que talvez seja realmente o pior: não fizemos nada.